Dia Nacional da Visibilidade Trans: acolhimento e capacitação que mudam vidas
Hoje, 29 de janeiro, é o Dia Nacional da Visibilidade de Trans. O objetivo da data é debater a visibilidade trans e o combate à violência contra esse público dentro das identidades de gênero. Estima-se que as mulheres transexuais e os travestis são alvo preferencial da transfobia com os maiores índices de violência direta, indireta e suicídio segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). Essa realidade é confirmada por Rafael Pinto, colaborador da Gerência de Tecnologias Educacionais (GETE) do Senac-RS, que se entendeu como um homem trans aos 33 anos de idade.
“Hoje o Brasil, infelizmente, lidera o ranking de países em que mais se assassinam pessoas trans no mundo. Muitos desses assassinatos são realizados contra mulheres trans, que vivem em condição de subsistência. São pessoas que foram abandonadas pela família desde muito cedo e/ou mesmo na escola onde sofreram preconceito insustentável”, afirmou Rafael.
Atualmente, aos 35 anos, Rafael conta sua história com o desejo de que sua trajetória se some a de tantas outras pessoas na luta contra a falta de informação que gera preconceito, medos e violências. “Foi em junho de 2018, eu estava passando por uma época conturbada pessoalmente. Me tratava de depressão e fui morar sozinho. Pude ter tempo e espaço para repensar minha vida por uma ótica diferente de não necessariamente satisfazer a expectativa de outras pessoas. Me coloquei como prioridade pela primeira vez e esse foi o gatilho para repensar minhas atitudes para comigo mesmo. Com a ajuda de terapia, notei que tinham tabus em minha mente que não me permitiam experienciar o que eu realmente era e nem viver minha plenitude. Comecei a me questionar e corri atrás de informação sobre transgeneridade e de outras pessoas que estavam na mesma situação. Me percebi um homem trans, e acredito que, apesar do choque inicial, a sensação que tive foi de que as peças finalmente se encaixaram no quebra-cabeças. Desde então minha saúde mental melhorou muito e isso refletiu em todas as áreas da minha vida”, relatou.
Rafael explica que, em sua maioria, amigos e parentes reagiram bem à transexualidade. “Passaram a me chamar pelo novo nome com o tempo e a me tratar no masculino. Muitos reagiram com felicidade e até mesmo dizendo que já sabiam que eu era um homem trans antes que eu mesmo”, disse. Com os pais é sempre um pouco mais complicado, entende Rafael. “Mas nada que prejudique nossa convivência e tenho a consciência de que não é uma mudança fácil para eles. Acredito que o tempo facilita o entendimento mútuo. Porém, sempre tem aqueles amigos ou parentes que optam por cortar laços ou que agem com desrespeito intencional. E desses, eu prefiro respeitosamente manter distância”.
Se a relação com algumas pessoas não contou com aceitação e apoio, o mesmo não aconteceu no ambiente de trabalho. Rafael sentiu-se acolhido pelos colegas e liderança da Gerência de Tecnologias Educacionais, onde atua como ilustrador e modelador 3D dos objetos educacionais. “Trabalho no Senac desde agosto de 2014. Minha transição ocorreu quatro anos depois da minha admissão e meus colegas e liderança sempre foram muito compreensivos e respeitosos antes, durante e depois de atravessarem esse processo comigo. Alguns deles, inclusive, foram junto para buscar minha nova certidão de nascimento num cartório próximo. Festejaram quando meu crachá novo chegou, com o nome retificado, e me apoiaram em cada passo que dei na transição. Demonstraram carinho e cuidado. Enfim, só tenho a agradecer a liderança e os colegas sensacionais de equipe que tenho, e que me fazem sentir privilegiado, todos os dias”, contou.
E acolhimento está sendo reforçado no programa de diversidade do Sistema Fecomércio-RS/Sesc/Senac. “Recentemente, também estou fazendo parte do programa de diversidade do Senac-RS, o ParaTodos [lei aqui sobre o programa], mais especificamente no pilar Igualdade, o que está sendo muito construtivo. Acredito que é uma ferramenta muito útil e necessária para colocarmos em pauta temas e reflexões que buscam esclarecer questões básicas, como os direitos humanos, e de fácil acesso para todos os colaboradores”.
Apesar dos obstáculos, Rafael considera-se um privilegiado. “Minha história de vida é cheia de oportunidades às quais a imensa maioria das pessoas trans não têm acesso. Sou formado em produção multimidia pela faculdade Senac”, afirmou.
E é por isso que o Programa Qualifica Trans, lançado na terça-feira, 26 de janeiro, parceria entre o Governo do Estado do RS e Senac-RS ganha relevância ao dar oportunidades de capacitação para a comunidade trans ocupar o mercado de trabalho. Conforme dados da ANTRA, estima-se que cerca de 70% das pessoas trans no Brasil não concluíram o ensino médio e que apenas 0,02% encontram-se no ensino superior. Tal realidade joga mais de 90% da população trans no mercado informal.
“Muitas pessoas precisam desistir dos estudos e partir para a única alternativa que têm: a prostituição, a vida marginalizada nas ruas. A não visualização de um futuro com oportunidades também leva muitas ao suicídio. O programa Qualifica Trans é imprescindível para mudar o destino dessas pessoas, integrá-las ao mercado de trabalho por meio de uma alternativa de qualificação profissional, oferecendo uma posterior possibilidade de renda digna. Pessoalmente, fico muito feliz e esperançoso em ver essa iniciativa tomando forma e acredito ser apenas o início de uma nova e mais justa construção social e mercadológica”, afirmou Rafael.
Qualifica Trans
O programa lançado pelo governo do Estado, por meio das secretarias da Cultura (Sedac) e de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH) e o Senac-RS, objetiva promover capacitação profissional de pessoas transexuais e travestis em diversas cidades do RS.
Por meio do acordo, serão ofertadas 127 vagas distribuídas nos cursos de “Design de Sobrancelhas”, “Informática Fundamental Office e Mobile”, “Preparando-se para o primeiro emprego” e “Preparo de Bolos e Tortas” do Senac-RS. A previsão é que o processo seletivo para as vagas, que terá critérios estipulados como condições socioeconômicas, inicie no mês de março, e as inscrições ocorrerão pelo site da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos.
Confira o número de vagas por curso e as cidades onde serão ofertadas as capacitações:
Curso de Design de Sobrancelhas (35 vagas): Bento Gonçalves (3), Camaquã (4), Senac Centro Histórico – Porto Alegre (9), Farroupilha (3), Novo Hamburgo (4), Pelotas (3), Taquara (6) e Tramandaí (3).
Informática Fundamental Office Mobile (71 vagas): Cachoeira do Sul (8), Carazinho (3), Caxias do Sul (4), Erechim (5), Farroupilha (4), Gramado (4), Ijuí (3), Novo Hamburgo (4), Passo Fundo (5), Santa Maria (7), Santiago (3), Taquara (4), Senac Tech – Porto Alegre (9), Tramandaí (4), Viamão (4).
Preparando-se para o primeiro emprego (18 vagas): Cachoeira do Sul (9), Erechim (4), Santiago (5).
Preparo de Bolos e Tortas: Gramado (3 vagas).